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Nunca subestime um vírus

Nunca subestime um vírus

Desde a descoberta até a constatação da primeira epidemia de vírus da zika, houve um hiato de 70 anos, no qual não se estudou e tampouco desenvolveu uma vacina.

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Sob a frondosa vegetação e a enigmática clausura da mata cerrada, a remota floresta cravada no coração de Uganda, na África, conforma-se em um recinto impenetrável, blindado à luz do sol. Não por acaso, os poucos ugandenses que a conhecem chamam-na de “Zika” — no idioma local, “lugar escondido”.

Pequenos predadores e a enorme população de insetos eram os únicos seres a habitarem o úmido e obscuro interior do conglomerado arbóreo. Mas, certamente, não eram os únicos frequentadores.

Uma equipe de pesquisadores norte-americanos instalaram-se naquele ambiente inóspito a partir da década de 1930. Lá construíram uma imponente sede científica financiada pela bilionária Fundação Rockfeller — o Instituto de Pesquisa da Febre Amarela. Dada as condições favoráveis que a lúgubre floresta oferecia à proliferação dos insetos, os pesquisadores encontraram ali o espaço ideal para melindrar o vírus, que atravessou séculos em rastros de morte — a temerosa febre amarela, transmitida pela picada dos mosquitos Aedes egypti e Aedes albopictus.

Anos depois, em 1946, em meio aos frequentes testes realizados em macacos com a vistas a isolar o vírus da febre amarela, os cientistas aproximavam-se, cada vez mais, do desenvolvimento da cura. No entanto, ao colherem amostras de sangue de um dos primatas, surpreenderam-se ao deparar com um novo micro-organismo. Um novo vírus, desconhecido até então. A princípio, foi tido despretensiosamente pela equipe, que concentrava-se na iminente cura da febre amarela — e no o dinheiro que a patente da vacina representava. Tão logo, o registo apressado daquele novo vírus, aparentemente inofensível (e menos lucrativo), apontaria para obviedade: Vírus da Zika, escreveu-se no rodapé de um caderno.

No mesmo reduto de pesquisa, curiosamente, o vírus recém-descoberto seria identificado também no mosquito Aedes aegypti — apenas uma dentre as milhares de espécies que viviam no local. Mal sabiam eles: a constatação era a premissa para uma tragédia anunciada. Consumava-se ali a descoberta de um impiedoso vetor, que dispunha de altíssima capacidade de proliferação e dispersão da virose. Mais uma vez, a ciência seria subestimada pela comunidade científica. A cura da febre amarela, afinal, implicaria no ganho de muitos milhões de dólares, enquanto que o “inofensível” vírus da zika não representava grandes vantagens. Eis que a ganância capitalista dos Rockfellers infeccionaria os próprios cientistas da equipe. Não raro, cabe dizer, a ciência vem sendo relegada em detrimento da lucratividade ao longo da história da Medicina.

Décadas se passaram. A febre amarela fora erradicada. Já o vírus da zika caíra no esquecimento. Pois bem, nunca subestime um vírus.

Em 2007, um susto. A epidemia de vírus da zika que alastrava pela Oceania afora pegaria a sociedade totalmente desprevenida. Foi como se aquele vírus fosse redescoberto naquele exato momento. Houve um hiato de exatos 70 anos entre a sua descoberta, na década de 1930, e a primeira epidemia conflagrada, em 2007. Nesse lapso, não foi desenvolvida a vacina, tampouco foi estabelecido um prognóstico para as enfermidades que o vírus causaria.

Como se sabe, o vírus da zika chegou ao nosso país durante a Copa do Mundo, em 2014. Hoje, declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência global, estamos agindo na condição de pânico, de completo desconhecimento, e, sobretudo, de corrida contra o tempo.

Prova disto é que previsão da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) aponta para que 1,5 milhão de brasileiros deve ser infectados em 2016. Já a previsão da comunidade científica para o desenvolvimento da cura é de três anos para que a vacina seja disponibilizada nos centros de saúde.

Como visto, na história, o vírus da zika fora subestimado. Agora pagamos por isso.

Por Guilherme Scarpellini

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