Quando o motor flex foi lançado no mercado brasileiro, em 2003, tudo era novidade e a ideia principal era oferecer uma possibilidade de abastecimento diferenciado. No posto, o cidadão escolhe entre etanol, gasolina ou a mistura de ambos em qualquer proporção. Mas em pouco tempo as montadoras começaram a alardear que os novos motores trouxeram também algumas evoluções, como melhor desempenho e redução de emissões e consumo. Porém, a prática e os números têm mostrado que a economia de combustível não tem sido um ponto forte dos motores flex.
Realmente, a tecnologia flexível de combustível veio acompanhada de um ganho de potência. O flex é, na verdade, um motor a gasolina adaptado para funcionar com etanol. Com o auxílio da eletrônica no gerenciamento, os engenheiros conseguiram retrabalhar a taxa de compressão, deixando-a mais alta.
Na primeira fase do flex, de 2003 a 2006, o motor tinha desempenho limitado quando abastecido só com gasolina, pois o interesse maior era com o etanol. Mas, com a evolução da capacidade de processamento da central eletrônica, foi possível tirar o máximo de desempenho dos motores, tanto com etanol quanto com gasolina.
A questão mais complicada para os engenheiros das montadoras passou a ser o consumo. Muitos proprietários de carros flex começaram a perceber que seus veículos bebiam mais do que os anteriores, equipados com motor a gasolina ou a etanol.
Questionados sobre o assunto na época, os fabricantes da tecnologia flex se defenderam dizendo que antes de 2003 misturava-se menos etanol à gasolina e que, além disso, os carros tinham uma quantidade menor de equipamentos, como direção hidráulica, ar-condicionado e vidros elétricos. Fatores externos, como o trânsito pesado nas grandes cidades, também foram usados para justificar o aumento do consumo nos carros flex. Finalmente, o argumento do combustível adulterado foi também uma mão na roda para os fabricantes.
Números
Mas apesar das reclamações de muitos proprietários de carros flex em relação ao alto consumo de combustível, as montadoras continuam afirmando que os modelos atuais são mais econômicos do que os antigos. Para tirar a dúvida, resolvemos pesquisar os dados de consumo divulgados pelos fabricantes pouco antes do lançamento do flex.
Tomamos como referência modelos a gasolina. Esses números foram comparados aos informados atualmente na etiqueta de consumo do Inmetro, presente em alguns modelos. Os valores são medidos em condições padrão de laboratório (NBR-7024), simulando uso comum de carros.
E não foi surpresa constatar que os modelos mais antigos, equipados com motor a gasolina, apresentavam consumo mais baixo do que os similares com flex. Para ter uma ideia, antes do flex, a Fiat divulgava para o Palio 1.0 a gasolina um consumo de 13km/l na cidade e 17,2km/l na estrada. A geração atual do modelo, que tem motor flex, tem consumo divulgado de 12,2km/l na cidade e 15,4km/l na estrada.
O Gol 1.0 a gasolina tinha os seguintes números divulgados pela Volkswagen em 2003: 13,4km/l na cidade e 17,2km/l na estrada. Atualmente, um Gol 1.0 flex apresenta consumo de 11,1km/l na cidade e 13,2km/l na estrada.
Os números revelam que, por mais que os carros tenham ganhado equipamentos e a gasolina tenha recebido uma quantidade maior de etanol, não se justifica um aumento tão significativo no consumo. Constata-se que houve muita evolução na eletrônica para o gerenciamento do motor, mas mecanicamente não ocorreram alterações significativas que colaborassem com a redução de consumo.
Fala-se muito em melhorar a eficiência térmica do motor para otimizar o funcionamento com etanol. O que está surgindo como solução para o flex é a turbina, que poderá viabilizar uma otimização de eficiência com qualquer combustível. Na prática, seria uma forma de variar a taxa de compressão em função de usar gasolina ou etanol. São possibilidades, mas enquanto isso muitos motores flex continuam bebendo como gente grande.
VIA ESTADO DE MINAS