Por Gustavo Bomfim, arquiteto e urbanista
Desde a época da faculdade, grande parte do meu trabalho acontece em casa, utilizando softwares de projetos. Lembro-me de uma ocasião em Uberaba que trabalhando em um deles, cheguei a ouvir os nove álbuns do Led Zeppelin sem me levantar da cadeira. Mas nunca havia ficado tanto tempo em casa, quanto nessas últimas cinco semanas.
Sem querer romantizar esse momento de caráter mais recluso que o mundo passa, além de trabalhar 90% em casa, saindo somente para atividades realmente necessárias e com os devidos cuidados, tenho lido, escutado e estudado a influência deste panorama epidêmico na arquitetura e urbanismo, que certamente não será mais o mesmo, afinal o brasileiro passa, em média, 21,6 horas do dia em ambiente fechado.
Questões Sanitárias e Políticas Urbanas no Brasil
A maior pandemia do século até o momento talvez tenha sido o gatilho que faltava para que muitos de nós enxergássemos um grave problema que precede a propagação do vírus, a condição social-sanitária de milhões habitantes.
Em nosso país, 8 milhões de pessoas vivem em favelas ou aglomerados, 37% não possuem acesso a esgoto e 35 milhões sem água tratada. Como podemos cobrar medidas de isolamento, sugerir que fiquem em ambientes ventilados ou que devam se higienizar? Precisou afetar a rotina de muitos para que voltássemos os olhos sobre essa questão tão desigual?! Após a passagem desse período, aguardaremos o surgimento de um outro com estes mesmos problemas de infraestrutura sanitária?
De repente o país acordou para os 38 milhões de brasileiros que vivem no mercado informal e praticamente dependem do faturamento diário para se alimentar. Mais preocupante ainda, 12 milhões de pessoas desempregadas. É fundamental que o Estado interfira com políticas socioeconômicas emergenciais a fim de evitar o colapso. Nas últimas semanas, diversos economistas das mais variadas vertentes, discutiram medidas e saídas para tal.
Mudanças nos Ambientes Construídos
A relação da arquitetura, urbanismo e a pandemia está diretamente ligada ao fato da transmissão se dar através de certos hábitos em um determinado ambiente e, exatamente por isso, esse período será um marco. Algumas destas mudanças já se encaminhavam, e esse período servirá para comprová-las e acelerá-las.
Um ambiente corporativo, por exemplo, precisa de tamanha estrutura? Se o funcionário pode desempenhar suas atividades de casa com maior produtividade e menor custo, não seria interessante repensar esse modelo? Por outro lado, os edifícios residenciais terão que, cada vez mais, conceber áreas para que esse profissional possa desempenhar sua função.
Certamente a tecnologia cumprirá papel fundamental nessas mudanças. Jamais imaginei ver meu pai, com mais de 60 anos, ligando seu notebook para dar aulas online para dezenas de alunos. Quanto às reuniões presenciais, com toda certeza, muitas delas serão substituídas pelas virtuais, além de vários outros procedimentos.
Sempre achei interessante um hábito da sábia cultura japonesa de deixar os calçados próximo a entrada das moradias. Recentemente, após uma das raras saídas, ao retornar do supermercado, achei que seria prudente deixar meu tênis na garagem, retirar a roupa na porta e seguir para o banho. Será que os closets das casas mudarão de local?
Desde a década de 90, o formato de comércio através de shoppings centers tem feito cada vez mais sucesso, a grande maioria deles, fechados e sem ventilação natural. Não seria o momento de repensar esse tipo de empreendimento?
Locais de grande aglomeração e circulação de usuários como rodoviárias, aeroportos, estações de trens e metrôs, grandes eventos certamente terão que se ajustar para mitigar a propagação de vírus. A automação através de sensores de movimento, acionamento automático de equipamentos, reguladores de qualidade do ar ganharão ainda mais mercado.
Como seres humanos, somos dependentes da socialização e, pelo menos para minha geração, ela nunca tenha feito tanta falta como agora. Isso certamente passará, resta-nos refletir, enquanto espécie, quais medidas tomaremos para que possamos voltar a ter um bem estar coletivo.
Fonte dos dados: www.tratabrasil.org.br e www.agenciabrasil.ebc.com.br
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